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Professor de Língua Portuguesa, Literatura e Redação; especialista em Teoria e História Literária. Professor da rede municipal de ensino de Vitória da Conquista e da rede estadual de educação da Bahia.

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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS: A “EXPERIÊNCIA ESTÉTICA” E O JOGO ESPORTIVO. UMA LEITURA DE ELOGIO DA BELEZA ATLÉTICA, DE H.U. GUMBRECHT


Daniel dos Santos Andrade/UESB
Marília Librandi Rocha- Orient./UESB


Hans Ulrich Gumbrecht, em In Praise of Athletic Beauty (Elogio da Beleza Atlética), propõe uma reflexão acerca da capacidade que os esportes têm de “capturar”, irresistivelmente, a atenção e a imaginação de quase todas as pessoas no mundo cotidiano. Contudo, destaca que muitos dos intelectuais não têm visto nenhuma forma de prazer nos esportes. Ele também menciona o poder de transfiguração, presente nestes, em função da não racional atração que exerce sobre os espectadores no mundo inteiro.
Fazendo uma aproximação, que ele chama de simplificadora, mas não exagerada, Gumbrecht menciona como originadora da poesia européia, as odes de Píndaro, que elogiavam os atletas.

El entusiasmo religioso y la celebración de la propia cultura dominan en el elogio que hace Píndaro de los atletas del siglo v. Estos gestos pueden estar muy lejos de las emociones que los eventos deportivos nos despiertan hoy, pero no hay duda de que el poeta quiso dar la pintura más monumental que su lenguaje podía ofrecer de tales corredores y conductores de carros, de aquellos boxeadores y luchadores nunca derrotados. (p.07)

Apesar disso, Gumbrecht diz que, com exceção dos discursos da cobertura esportiva ao vivo, os demais tendem a depreciar os esportes ou diminuir as conquistas dos atletas. No entanto, ele cita uma expressão popular alemã como uma das caracterizações mais positivas a respeito dos esportes: “la más bella entre las actividades marginales a la vida” (p. 07). À esta questão, ele porpõe:

La literatura, la música clásica o la pintura comparten con los deportes esta falta de función práctica, pero nadie se atrevería a calificar de marginales las sinfonías de Beethoven, las odas de Píndaro, o los frescos de Giotto. (p. 08)

            Gumbrecht também discorre sobre o posicionamento dos intelectuais, destacando que muitos têm visões indesejáveis e preconceituosas a respeito dos esportes, vendo sua imensa popularidade como sinônimo de decadência ou, no mínimo, alienação. Ele ainda menciona que os negativistas têm evocado as Olimpíadas de 1936, na Alemanha nazista, para argumentar que o esporte sirva como instrumento de manipulação política. Argumento que cai por terra quando se cita que, na mesma olimpíada, Adolf Hitler viu, presencialmente, a ascensão de atletas afroamenricanos à excelência internacional – exemplo disso foi Jesse Owens – . No mínimo, continua, os cientistas sociais e humanistas falam que os esportes são algo diferente do que parecem. Dentre eles, o autor destaca a opinião do antropólogo francês Roger Caillois, que os aproximam ao sagrado e, como todos os jogos, se distanciam da vida cotidiana.
            Gumbrecht brinca com o fato de que, devido ao esporte, atualmente, não ser um objeto canonizado, como o era na Grécia Antiga, qualquer forma de elogio, por parte dos que ele cita como “guardiões da alta cultura”, tem se tornado imprópria. Além disso, os intelectuais se sentem obrigados, pelo legado do Iluminismo, a ser “críticos”, sempre “críticos”.
Ao invés de ler os esportes como manifestação de alguma outra coisa, Gumbrecht diz que estará concentrado nos corpos dos atletas e, refletindo se observará os esportes a partir do ângulo do atleta ou do espectador, justifica que, em virtude de sua incompetência para a prática esportiva e à sua paixão pela observação dos mesmos, ele segue a segunda possibilidade. Assim, seu livro se dá a partir de uma visão unilateral: a do prazer do espectador esportivo.
Ele admite que não será capaz de responder o porquê da preocupação com o elogio da beleza atlética, e que, certamente, não compartilha das razões, sejam elas religiosas, políticas e até econômicas, que levaram Píndaro a fazê-la. Relembra, também, Aristóteles, quando diz que o elogio não tinha uma função específica, mas servia, tão somente, para atribuir beleza e importância às coisas elogiadas, além de dizer que, secretamente, tem produzido com a análise, um novo gênero epidítico, ao elogiar as diversas classes de esportes.

Para falar acerca do prazer em observar os esportes, Gumbrecht recorre às idéias do filósofo Inmanuel Kant. A partir das implicações do uso da palavra “belo”, Kant propôs a análise da experiência estética, em Crítica do Juízo, mencionando que o conceito de beleza está baseado na forma como julgamos as coisas, por mera contemplação, como “juízo de gosto”. Segundo Gumbrecht, quando Kant se refere à palavra “belo” como “juízo de gosto”, ele se refere à maneira como contemplamos a coisa. Tal juízo se refere à satisfação sem qualquer interesse, uma satisfação sem utilidade objetiva para a vida, mas capaz de nos deixar felizes com o vivido. É como dizer: meu time não vai me dar nada com sua vitória, mas a alegria de vivenciá-la me trará felicidade. Em suma: o que se ganha não é nada de concreto, mas abstrato e, por isso, só pode ser experimentado individualmente.
Ainda conforme Gumbrecht, Kant diz que a afirmação de que algo seja belo ou não depende de um sentimento individual de prazer ou de dor. Assim, é uma impressão subjetiva e não pode ser testada empiricamente.
No entanto, grande parte dos intelectuais entendem, de forma depreciativa, que a grande atração que os esportes exercem sobre os espectadores se dá em virtude de que “os perdedores na vida adoram identificar-se com os ganhadores nos estádios” e o fato de vibrarem ao assistir aos jogos seria uma forma de descarregar as pressões das frustrações. Outros relacionam a ação do espectador com uma tendência de competitividade geral que tem invadido a sociedade moderna. Estes supostos intelectuais restringem a experiência estética a um conjunto limitado de objetos e situações canonizadas por eles mesmos. O fato de os esportes atraírem a atenção de bilhões de pessoas não faz com que os oficialmente cultos reconheçam que aqueles ativem a experiência estética.
Para Gumbrecht,

Esta desconexión respecto de la vida cotidiana es lo que algunos pensadores han descrito como “autonomía” o “insularidad” de la experiencia estética. Y si bien es inmediatamente evidente que tal “desinterés”, “autonomía” o “insularidad” caracteriza tanto la situación del atleta amateur como la del espectador, yo iría aún más lejos y afirmaría que, durante el partido o el evento deportivo, lo mismo es cierto para los atletas profesionales, e incluso aunque los atletas profesionales tengan claramente algo objetivo “en juego”. Pues si bien el dinero puede ser un gran factor de motivación, Ronaldo no anota un nuevo gol decisivo debido a que haya 30.000 euros, o más, ligados con ello, ni los grandes maratonistas africanos terminan sus competencias con tan incomparable tenacidad y elegancia porque quieran dejar atrás la amenaza de la pobreza. Por el contrario, sabemos que el hecho de ser capaz de poner entre paréntesis tales cuestiones objetivas mientras se está practicando un deporte o compitiendo atléticamente es una parte importante de la capacidad que deben tener los atletas profesionales, y un factor decisivo para su éxito. (p. 11-2)

           
            Outra distinção apontada por Gumbrecht, citando a Critica do Juízo, de Kant, é entre o belo e o sublime, diferenciando um do outro. O belo, mais ligado à forma do objeto, limitado, e o sublime, a um objeto sem forma, ilimitado. Ele continua dizendo que a satisfação decorrida do belo está ligada a alguma qualidade, enquanto que a do sublime está ligada à quantidade. Assim, Gumbrecht propõe que o conceito de sublime está mais ligado à quebra de recordes e a grandes façanhas do que propriamente aos eventos esportivos, mais ligados ao conceito de belo.
Mencionando o depoimento de Pablo Morales, um atleta americano, ganhador de medalhas de ouro nas olimpíadas de 1984 e 1992, sobre a sua experiência estética com o esporte, Gumbrecht destaca a característica de que tanto o atleta quanto o espectador deve estar “perdido” em estado de “concentração”, desinteressado das outras coisas. Assim, o espectador focaliza determinado atleta – que, também, está concentrado, ao máximo – , esperando dele, a qualquer momento, algo que aparecerá num breve instante e se perderá para sempre, a menos que captado pelas câmeras e repetidos em gravações, mas sem o prazer da presença corpórea. Este evento que surge e desaparece, num breve momento, na experiência atlética é chamado, pelo autor, de “epifania”. “Es una epifanía, porque experimentamos una repentina aparición, invariablemente corporeizada, una aparición que, por ser corporeizada, tiene sustancia y requiere espacio.” (p. 15)


            Gumbrecht pergunta-se sobre o que o desempenho dos atletas possui de específico que seja capaz de explicar a atração exercida por eles. Ele justifica que esta pergunta é mais ligada à perspectiva do espectador que à essência dos esportes. A isto, o autor começa pela exposição do conceito de performance, ressaltando as incoerências das conceituações mais recentes sobre o mesmo. A respeito desse conceito, ele diz: “propongo llamar performance a cualquier movimiento del cuerpo humano en la medida en que lo vemos, de modo predominante al menos, desde el punto de vista, o dentro de la dimensión, de una cultura de la presencia.” (p. 19) Assim, dentro de uma quase infinidade de modos de performances esportivas, Gumbrecht indaga a respeito do que haveria de tão específico nelas.
            A fim de responder a seu questionamento, o autor nos remete a dois conceitos da Grécia Antiga: agon e areté. O primeiro, traduzido como competição, está ligado à domesticação de confrontos por meio de regras específicas. O segundo, se traduz como a luta pela excelência, corresponde a levar uma performance a seus limites possíveis, individuais ou coletivos. Sem excluir o agon, Gumbrecht menciona o areté como o dominante numa performance atlética, visto que a luta pela excelência pressupõe uma competição (mesmo contra ausentes, no caso dos esportes de performance individual), enquanto que o contrário não se dá. Outrossim, a consideração do agon como mais importante corresponderia à visão depreciativa que muitos têm dos esportes. Além disso, os espectadores preferem ver seus atletas se doando ao máximo, chegando ao limite físico e não apenas competindo. Eles desejam ver atuando aos que consideram os melhores atletas – uma evidência de que o que mais apreciam não é só o resultado, mas a beleza do evento. Nas palavras do autor:

Pues si hubiese optado por la “competición”, en lugar de por “poner a prueba los propios límites”, habría confirmado una visión de los deportes que se ha vuelto la principal razón para su baja reputación entre tantos intelectuales. Es la imagen de los atletas y sus fanáticos como un puñado de exaltados, neuróticos movidos por la ansiedad, una imagen que se ha asociado frecuentemente con el carácter proverbialmente competitivo del capitalismo, y con el estrés que se supone que produce. La lucha por la excelencia y el poner a prueba los propios límites, en cambio, hace el corte correcto con respecto a todas las asociaciones que un énfasis exclusivo en la competitividad podría suscitar, y proyecta así una visión más noble – o por lo menos, mucho menos condescendiente – de los deportes.

            Contudo, o agon não é excluído. A presença de regras nos diferentes tipos de esportes é o que confirma a insularidade que os separa do mundo cotidiano. A observação ao cumprimento de tais regras permite que muitos torcedores se percam em intensidade de concentração. Além do mais, pontua o autor, a competição gera drama: “Es completamente cierto que el deseo de ganar y disfrutar de la victoria contribuye a la motivación que hace a los atletas entrar en competencia y a los espectadores alentarlos”. (pág. 21)

            Gumbrecht apresenta um histórico dos esportes, remotando aos jogos olímpicos na Grécia Antiga, nos quais centenas de atletas e milhares de espectadores, a cada quatro anos, durante vários séculos (776 a.C. a 394 d.C., aproximadamente) passavam cerca de cinco dias no mais famoso santuário de Zeus, em Olímpia. Nesse contexto, as odes de Píndaro surgem não para descrever a performance dos atletas, mas os momentos de intensa alegria e orgulho, decorrentes das vitórias olímpicas, vivenciadas pelos que até aquele lugar concorriam, a fim de estarem diante da presença física daqueles que eram, por suas proezas, dignos de reverência e, por isso mesmo, elevados ao status de semi-deuses, além de estarem na presença dos deuses, que se supunha presentes em lugares específicos, de maneira mais intensa, como, no caso, o próprio local dos eventos esportivos.

Gumbrecht propõe mais uma indagação, a saber:

¿Sería posible que hayamos visto ya el primer paso hacia un futuro en el cual, más y más, los deportes individuales llegarán a los límites del desempeño humano, de modo que, por defecto, nos interesaremos más en sus atractivos estéticos, que en las marcas objetivas que los atletas están alcanzando (y no sé si debería decir “más interesados de nuevo” o “predominantemente interesados por vez primera)?

            Quando se menciona o esporte como objeto de prazer, pontua Gumbrecht, em primeiro plano estarão não os aspectos referentes ao agon, como competição, mas os referentes ao areté, fazendo com que os espectadores se concentrem especificamente na possibilidade de rompimento de marcas, por parte dos atletas. Os movimentos do corpo (performance), percebidos e julgados, pelos espectadores, são o objeto da experiência estética nos esportes. Esta experiência estética, colocada entre a performance e o juízo estético, é conceituada como “fascinação”.
            O que os espectadores desejam ver, além do gol, do drible, da corrida etc, é a beleza do jogo, aquilo que é  potencialmente capaz de gerar epifania, isto é, algo que surge e toma forma, de maneira surpreendente.

(…) mirar deportes puede ser un modo de esperar por algo que ocasionalmente pueda ocurrir, pero que no está nunca garantido que ocurra, porque está más allá de los límites de antemano calculados del desempeño humano. (pág. 66)

Gumbrecht identifica, nos torcedores, duas atitudes em relação ao que assistem: atitude apolínea e atitude dionisíaca, distinção feita por Friedrich Nietzsche. O espectador apolíneo é caracterizado como aquele que, à distância, aprecia a beleza do evento, é analítico. Em contrapartida, o dionisíaco deixa de lado a individualidade e a distância, para entrar em estado de comunhão, tanto com os demais espectadores quanto com a energia presente na ação observada. Segundo Gumbrecht, tal distinção, proposta por Nietzsche, entre espectador “analítico” e espectador “orientado à comunhão”, marcam extremos de um contínuo de possibilidades de atitudes. Os que estão mais à ponta, na parte dos dionisíacos, estão mais propensos a se tornarem impregnados com o ar de competição e chegarem a praticar atitudes condenáveis de violência física.
Concluindo o livro, Gumbrecht apresenta uma definição, formulada por Martin Seel, sobre o que é o ter prazer com os esportes: “‘al mirar deportes podemos disfrutar, en nuestra imaginación, de ciertas vidas que no tenemos ni el talento ni el tiempo de vivir’”.(pág.74)

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